quinta-feira, 13 de maio de 2010

ADRENALINA (capítulo de Luas de Paquetá)

Adrenalina, nos anos 60, era do teto das barcas caprichar nos acrobáticos mergulhos - carpado, parafuso, volta-e-meia, pontapé-na-lua, canivete. E ao primeiro contato com a água, dar de cara com um mero, sentir a respiração do boto, ouvir o zunir de um rabo de arraia, de arraia manteiga. E isto com mar calmo e sol generoso. A Ilha de Itapacy, algumas braçadas adiante da praia da Imbuca, era impossível de ser vista como um porto-seguro. O jeito mesmo era nadar, com braçadas vigorosas, para retornar à Imbuca, ou, num compreensível erro de rota, dar com os costados na praia do Frade. Enquanto isto, a barca lentamente se afastava em direção ao Rio.

Era uma turma boa, envolvia algumas gerações, embora os reincidentes estivessem na faixa de 12 a 15 anos. Moleques corajosos. Tudo começava pelas artimanhas para escalar os dois andares da barca atracada no cais, ali na Ponte (aos domingos, tinha também o Mocanguê, uma grande lancha de casco preto e de difícil acesso para a molecada). Não era fácil passar impune pelos marinheiros e esconder-se em algum lugar do teto até a barca sair. Tiradas as amarras, tudo era festa, até uma porrada no quengo, que os marinheiros nem sempre estavam de bom humor.

- O primeiro a pular é mulher do padre -, era este o sinal de que a Ilha dos Lobos ia ficar muito pra trás, que passaríamos pelas praias da Ribeira e da Imbuca e que a barca, ao se aproximar de Itapacy, era pra ser abandonada. Neste trecho, ninguém mais se incomodava em ser “mulher do padre”.

Pular da barca era, a um só tempo, diversão e exibicionismo infanto-juvenil e, claro, adrenalina, às vezes muita adrenalina, quando, também além de pular e esmerar–se em mergulhos acrobáticos (não se falava saltos ornamentais, coisa chic!) – um espírito de porco inventava de “pegar reboque”, que consistia em nadar em direção às correntes do leme (da popa, é claro) e pendurar-se. Que delícia!!! Quando as mãos escorregavam no óleo das correntes ... milhas de distância para chegar à praia. Qualquer praia era infinita. E aí ... mero, boto, arraia manteiga etc.

Havia alguns mestres das barcas que tornavam-se cúmplices – Filhinho e Barbosa. Também, pudera, eram paquetaenses de




muitos mares. É bem verdade que vez por outra Barbosa dava um esporro na molecada:
- Pôxa, não veem que estão se arriscando demais? O Poly (*) já veio falar comigo dizendo que eu facilito as coisas pra vocês. Tomem jeito”.
Jeito era uma coisa que ninguém queria tomar. Bom mesmo era tomar banho de mar, pular da barca e, convenhamos, sacanear os marujos que nos momentos de impaciência, corriam atrás dos moleques no teto das barcas. O pessoal que se concentrava na praça torcia... para os dois lados. Uma festa da boa. E a barca apitava e se afastava do cais. Começava a adrenalina.


(*) Delegado Polycarpo Ribeiro da Silva. Dos seus dois metros e bordoada de altura, Poly esperava a molecada na beira do cais. Era uma questão de tempo, e fôlego. Todos em terra firme, dava uma bronca com um vozeirão que a ilha inteira ouvia. Ato seguinte, “prendia” todo mundo no quintal do distrito, que fica na rua Comendador Lage. Dado o susto, soltava a turma entre conselhos e novas reprimendas. Mas ele não conseguia disfarçar o seu terno olhar. Poly faleceu em 1962, aos 49 anos de idade. Virou saudade.

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